segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Formação de valores para o uso ético das novas tecnologias


Repensar o papel da educação e dos educadores num mundo repleto de informações e de novas questões que, quase sempre, vêm acompanhadas de dilemas éticos. Esse é o grande desafio do setor, na opinião de Juan Carlos Tedesco, secretário de Educação da Argentina. Para ele, mesmo em tempos de altas tecnologias, cabe ao professor a tarefa da formação de valores. Afinal, lembra o educador, instrumentos como a internet podem ser utilizados para o bem ou para o mal.
Reportagem de Ana Paula Novaes

Juan Carlos Tedesco, educador argentino

A formação de cidadãos é uma prática que deve ter início dentro da escola e que tem como principal responsável o professor. No entanto, essa é uma tarefa que envolve uma série de desafios. Para o secretário nacional de Educação da Argentina, Juan Carlos Tedesco, as escolas devem ter um novo olhar sobre esta questão. Em entrevista concedida durante a 5ª edição do Congresso Internacional de Educação, realizado em São Paulo no primeiro semestre deste ano, e que teve como tema Uma escola para cidadãos; Juan Carlos defendeu ainda a valorização dos professores e de sua formação, falou sobre o intercâmbio educacional entre Brasil e Argentina, e sobre o papel das novas tecnologias na transformação da educação; Elas podem ajudar ou não, dependendo de quais são meus objetivos. Posso usar a tecnologia para promover mais solidariedade, mais espírito crítico ou posso usá-la para promover isolamento, individualismo, disse. Confira a seguir a entrevista completa:

O que significa dizer que a educação deve ter uma ética de responsabilidade com o futuro? De que forma isto pode se tornar possível?

Juan Carlos Tedesco - A formação do cidadão hoje é muito distinta da que tínhamos há 20, 30 anos. A cidadania atual exige o manejo de informação, de conhecimentos, porque estamos enfrentando desafios novos. Por exemplo, proteger ou não o ambiente; manipular ou não o capital genético das pessoas; incluir ou não socialmente a toda a população. São todas estas questões que exigem muito conhecimento científico, mas também valores éticos e de responsabilidade, porque estas questões põem em jogo a vida ou a morte da cultura geral. Não é mais como antes, em que a cidadania era discutida fundamentalmente pela política. Agora, o cidadão toma decisões sobre questões vitais. Isto obriga a escola e a educação a terem que olhar de maneira diferente para a formação do cidadão.

Os professores estão preparados para lidar com esta nova formação e com a necessidade de formar alunos cidadãos?

Não, ninguém está preparado. São desafios novos. Há que se começar. Alguns estão mais preparados que outros, mas precisamos ter uma política. Hoje em dia, os professores na América Latina, e em geral, são provenientes de muitos anos de "desprofissionalização", de baixos salários, de condições de trabalho indignas. É preciso colocar a educação como prioridade na política. Isto significa que é necessário investir mais em educação, mudar a metodologia e como se formam os professores. A formação do professor deve ser contínua e acontecer ao longo de toda a sua vida. Para estes problemas, não há uma solução única, que valha para todos. Em cada contexto é preciso pensar em soluções adequadas. Precisamos desenvolver mais o lado científico na formação cidadã. A formação técnico e científica é muito importante. Além disso, é preciso envolver os educadores na necessidade também da formação ética.

Os professores vêm perdendo prestígio social e, a cada dia, assistem sua função ser desvalorizada. Como isso pode influenciar o dia-a-dia das escolas? O que é preciso ser feito para trazer de volta à profissão o status que já teve no passado?

Não irá voltar a ser o que era antes, porque a sociedade mudou. Hoje em dia, o professor não pode ocupar o lugar que ocupava há 50 anos. É preciso pensar não no professor individualmente, mas na equipe. O professor também não é como antes, quando tinha todo o conhecimento; é impossível ter todo o conhecimento. O professor deve ser um guia, um orientador, mas necessitamos, sim, dar aos professores um status profissional muito mais forte do que o que ele tem hoje. É preciso profissionalizar a docência, com profissionalismo coletivo, de grupo. Precisamos dar atenção à equipe. É quase impossível que um professor entenda toda a escolaridade e as competências que exigimos que tenha hoje um educador.


O papel do professor depende do trabalho em equipe?

Depende do que fazem juntos, do que irão fazer, do que estão fazendo seus colegas, os objetivos da formação do cidadão. Este não é um objetivo que se dá em uma matéria, que é unânime. É, sim, uma tarefa de toda a equipe.

É preciso haver um posicionamento interdisciplinar na escola para formar o aluno cidadão?

Interdisciplinar e institucional. Na Argentina temos uma expressão: "Cada maestrito com su librito" (Cada mestre com seu livro). Isto já não vale mais, não podemos seguir com a conjectura do individualismo no desempenho dos professores. Precisamos fortalecer o trabalho em equipe dentro da escola, pensando no projeto da escola.

O que fazer para tornar mais eficiente a formação do professor? Que valores são necessários nesta formação?

A formação é falha em todos os países. Hoje em dia ninguém está de acordo com a formação dos docentes. Como resolver? Há muitas maneiras e muitas experiências. Basicamente, o que se busca é reunir a formação ao que será exigido do desempenho. Muitos países estão agregando à formação inicial dos docentes uma espécie de residência: um ano ou dois de trabalho nas escolas antes de ingressar realmente. Assim, o professor já terá mantido contato com os problemas reais.

O segundo aspecto é que a formação do professor tem que ser de nível superior, universitário, uma formação para ensinar não só o conhecimento da disciplina, mas o ensino de uma metodologia de ensino, da cultura dos alunos. Ensinar não é muito difícil, especialmente na escola secundária. Os jovens têm hoje uma cultura muito distinta do passado, mas necessitam conhecer muito mais as novas tecnologias. Este é um tema fundamental na cultura e muitos professores não manejam as novas tecnologias. A formação dos professores deve ter a função de integrar - a formação inicial, a formação contínua e as condições do trabalho. Estes são três aspectos que devem ser enfrentados.

O sr. citou que alguns países efetuam uma forma de residência com os professores. Isso já acontece na Argentina?

Estamos começando. Alguns estados estão mais avançados que outros e isto já acontece, com projetos importantes para estas residências. A residência se converte efetivamente em uma premissa da aprendizagem, com inovações para que não seja um trabalho puramente burocrático no final.

Alguns pesquisadores criticam o fato de a escola ainda possuir as mesmas regras do passado. Como trazer a escola para os dias de hoje? De que forma as novas tecnologias podem auxiliar esta empreitada e tornar a escola mais atraente?

A escola tem que seguir fazendo o que sempre fez. Ela tem que ser um lugar de transmissão, de conhecimento e de patrimônio cultural. É certo que tudo muda, mas há coisas que devem continuar. A escola tem que ensinar ciências, tem que traduzir valores. O que pode mudar é a forma como o faz.

O método, as estratégias, isto pode mudar, mas não se pode mudar o conteúdo e os objetivos da escola. Hoje, em alguns lugares do mundo há a tendência de tirar os alunos das escolas e a deixá-los em suas casas. Isto é muito perigoso e as novas tecnologias podem ser usadas para isso. Podem dizer: "eduquemos pela internet" e, então, não haverá mais escolas, o que é muito perigoso, porque teremos um individualismo grande. É uma maneira não-social de educar, sendo que a escola é um grande local social. As novas tecnologias podem ajudar ou não, dependendo de quais são meus objetivos. Elas, por si só, não têm objetivos.

Os objetivos os temos nós mesmos. Posso usar a tecnologia para promover mais solidariedade, mais espírito crítico ou posso usá-la para promover isolamento, individualismo. Ela é apenas um instrumento. Eu creio que as tecnologias estão aí para que possamos usá-las e colocá-las a serviço dos objetivos educativos. Há muitas experiências com as tecnologias que permitem superar o isolamento. A televisão educativa permite que os melhores professores cheguem a todos e que possa haver muita comunicação, que supere as distâncias geográficas.

Um aluno pode conectar-se com qualquer outro em qualquer parte do mundo, pode entrar nos melhores museus do mundo sem precisar ir até lá fisicamente. São instrumentos maravilhosos, mas para serem utilizados com objetivos educativos. O importante é o professor e não a tecnologia.

A tecnologia não substitui o trabalho do professor...

Não, para nada. A tecnologia exige um docente mais qualificado, com mais competências. Ela pode apenas suprimir o menos inteligente do trabalho do docente, que é transmitir informações. Porém, é preciso deixar o tempo para que o professor promova o intercâmbio, para guiar o exercício de aprendizagem, para orientar o aluno... E isso a máquina não faz. A máquina não pode fazer estas atividades. Ela precisa de um adulto e exige objetivos. A internet não ensina a selecionar. É preciso trazer os critérios para eleger por onde navegar. Quem elege? Em que sites entrar? Por onde navegar? Isto quem faz é o aluno. E quem ensina ao aluno os critérios para eleger? O professor.

O sr. afirmou que a escola sempre terá a função de transmitir conhecimentos e passar certos conteúdos. O que falta hoje na grade curricular das escolas? Que valores podem ser agregados para este currículo e até mesmo que disciplinas são exigidas pelo mundo atual?

Depende de que nível de educação estamos falando. Eu digo que a escola hoje necessita orientar-se aos grandes objetivos. O primeiro é ensinar a aprender, porque as pessoas terão que aprender durante toda a vida e não só no período em que vão à escola.

O que aprendem na escola lhes servirá por muito tempo, mas devem estudar por toda a vida. Então, a escola tem que ensinar o ofício de aprender. Como se aprende, como se estuda, o valor da curiosidade, estar sempre atento ao que há de novo, que coisas novas apareceram... Isto a escola deve ensinar.

Outro grande objetivo da escola é ensinar a viver unidos. A solidariedade, a responsabilidade, o respeito à diferença, para que possamos viver em sociedade. A escola necessita ser um lugar onde possamos conviver e aprender a viver com as diferenças e a respeitá-las. Este é um outro grande objetivo.

Que balanço o sr. faz do intercâmbio de projetos educacionais e até mesmo entre os professores do Brasil e da Argentina?

Isto existe dentro do que chamamos de "Mercosul Educativo". Os ministros da Educação do Mercosul se reúnem periodicamente e definem programas não somente do intercâmbio de professores, mas também programas de produção de materiais. Por exemplo, entre Argentina e Brasil há um programa muito importante de escolas de fronteiras. Está se ensinando o Português nas escolas argentinas e o Castelhano nas escolas do Brasil, além do multiintercâmbio entre as escolas destes dois países. Há, neste sentido, uma variedade muito grande de trabalhos - o intercâmbio de professores, de alunos, pois há alunos que viajam e conhecem um lado e o outro. Também há programas que dizem respeito à produção de materiais e muitas atividades no campo científico. Nas universidades, temos ainda programas de intercâmbio de conhecimentos de títulos.


FONTE: http://www.folhadirigida.com.br

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